Uma simples limpeza nos dentes salvou uma vida

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Crédito: Freepik

Como a odontologia pode ser decisiva na recuperação física e emocional de pacientes oncológicos

Ele tinha pouco mais de 40 anos. Nenhum sinal aparente de que algo grave estivesse acontecendo. Foi ao dentista para uma limpeza rotineira, daquelas que quase passam despercebidas na agenda. Mas um dente mole, insistente, chamou a atenção. O dentista pediu um raio-x. O que parecia simples se revelou um diagnóstico avassalador: um carcinoma já havia tomado conta da mandíbula inteira.

A partir dali, tudo mudou. A cirurgia foi extensa, uma das mais invasivas possíveis para a região da face, retirada de dentes, ossos, tecidos. Parte da mandíbula até o entorno do ouvido foi removida. A reconstrução virou um desafio clínico e humano. “Ele já tinha passado por três tentativas de colocação de prótese. Todas falharam. A prótese quebrava, não sustentava, causava dor. A estrutura simplesmente não se mantinha firme”, conta a mestre e doutora em ortodontista Patrícia Valéria Milanezi Alves, que foi chamada pela equipe da Santa Casa de São Paulo quando os caminhos da medicina pareciam esgotados.

Patrícia entrou no centro cirúrgico não como espectadora, mas como parte da equipe que desenharia, junto, uma nova chance para aquele rosto. Com planejamento ortodôntico, criou uma estrutura que sustentasse a prótese com precisão. Nada de improviso e nem encaixes instáveis. “Montei um aparelho nos dentes e orientei a equipe a amarrá-los durante a cirurgia. É como trocar o pneu de um carro: não se pode apertar um parafuso de cada vez, senão entorta. E quando entorta, quebra. Foi exatamente assim que se deu o procedimento”, conta a especialista.

A solução deu certo. A prótese, enfim, se manteve no lugar. “Fazem meses que está ali, sem falhas, sem dor, sem quebra. A cirurgia deu certo porque houve preparo. Foi um trabalho em conjunto e isso muda tudo”, diz Patrícia.

Ela fala sem pressa, mas com a firmeza de quem sabe onde pisa. Sua atuação vai muito além dos aparelhos dentários. Atua onde o invisível começa: na escuta, na atenção aos sinais que não se dizem com palavras. É daquelas profissionais que não veem a boca como um território isolado. “Sou ortodontista, mas olho o paciente inteiro. Se há algo estranho, não ignoro. Encaminho, questiono, pesquiso”.

A formação que teve foi assim. Completa, questionadora. E é por isso que ela defende uma odontologia que dialogue com a medicina. “Nos Estados Unidos, por exemplo, os dentistas têm Medicina Oral na graduação. Aprendem a reconhecer sinais de doenças sistêmicas, como problemas renais ou respiratórios, e a encaminhar corretamente. Aqui, ainda temos uma formação muito fragmentada”.

A ciência já mostra os ganhos de uma abordagem integrada. Um estudo publicado pela revista Supportive Care in Cancer em 2023 mostrou que o envolvimento da odontologia nos cuidados oncológicos pode reduzir complicações graves em até 75%. Isso é especialmente relevante nos casos de tumores de cabeça e pescoço, onde a reabilitação envolve fala, mastigação, aparência e, acima de tudo, dignidade.

“Quando temos uma prótese bem colocada, não estamos apenas devolvendo a função de mastigar e sim a autonomia. A capacidade de sorrir sem medo, de comer em público, de se reconhecer no espelho. Isso não é vaidade, é identidade, é qualidade de vida e vontade de viver”, afirma Patrícia. O paciente da cirurgia bem-sucedida voltou ao consultório semanas depois. Trouxe um olhar mais firme, uma fala mais solta. Levava no rosto não só a prótese, mas também a coragem de ter atravessado tudo aquilo. “Ele me disse que a vida estava voltando ao normal. E isso vale tudo”.

Quando a odontologia se junta à medicina com humildade e precisão, histórias como essa se tornam possíveis. Porque, às vezes, salvar um sorriso é também salvar quem sorri.


SUGESTÕES DE PAUTA: reportagem@gruposulnews.com.br 

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