Ceia de Natal é um banquete com história, cultura e desigualdade

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Crédito: Freepik

Professor explica como o banquete natalino traz símbolos e práticas de rituais antigos, mas também reflete desigualdades

Chegou a época de montar a árvore, correr para comprar presentes e, claro, planejar o grande banquete: a ceia de Natal. Mas o que está por trás dessa tradição que faz com que as pessoas saiam da dieta e comprometam o orçamento todo final de ano?

Docente do curso de Antropologia da UNIASSELVI, Alexandre Amorim afirma que a ceia é um “ritual sincrético”, uma fusão de costumes de milhares de anos com símbolos cristãos, adaptados ao redor do mundo.

A tradição de reunir a família em grandes banquetes vem de antes do cristianismo, como explica o professor. Segundo ele, o Natal, em 25 de dezembro, foi incorporado pela Igreja sobrepondo-se a festivais pagãos do solstício de inverno, como as festas romanas da Saturnália. “A Igreja foi sagaz. Ao invés de proibir, ela absorveu. Assim, rituais antigos de fartura e renovação foram ‘rebatizados’ sob a ótica cristã. É por isso que os alimentos na mesa, como o pão e as frutas, carregam tanto significado de bênção e prosperidade”, destaca o professor.

Essa tradição de adaptação é global. Na Etiópia, por exemplo, o Natal (Ganna) é em 7 de janeiro e o prato central é o picante “Doro Wat”, um guisado de frango, onde cada ingrediente simboliza o sacrifício e a ressurreição de Cristo.

Por outro lado, no Brasil, o prato é ainda mais complexo. A ceia é um retrato da própria história do país, marcada pela mestiçagem de costumes. O antropólogo cita a influência indígena, que tem base europeia, mas ingredientes do país, como a mandioca, o tucupi e o pato (no Norte, por exemplo), símbolos das heranças diretas dos povos originários. Além disso, há também africana presente em temperos, azeites e técnicas de preparo também; e a herança europeia, com pratos como peru, panetone, rabanada e frutas secas, que vieram com os portugueses, formando a base do que chamamos de ceia “tradicional”.

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Embora seja uma festa de união, Amorim comenta que a ceia também deixa as desigualdades sociais no Brasil visíveis, e aponta dois aspectos: classe social, enquanto famílias de baixa renda enfrentam insegurança alimentar, dependendo de ultraprocessados, as de maior poder aquisitivo acessam frutas e alimentos frescos; e gênero, onde a responsabilidade por planejar, comprar e preparar a ceia recai, na maioria das vezes, sobre as mulheres. “Em famílias de baixa renda, mulheres são as principais responsáveis por garantir o alimento, mesmo diante de recursos escassos, reforçando desigualdades de gênero e poder”, pondera.

No entanto, o ato de reunir-se à mesa no Natal, segundo o antropólogo, é considerado um fator de proteção social. “Essa é uma oportunidade de fortalecer laços, transmitir valores e criar memórias afetivas, sendo altamente valorizado por diferentes gerações. Essa importância do Natal tem sido considerada um fator de proteção importante, pois, em muitos países é uma das datas que os indivíduos menos se suicidam”, enfatiza. 


SUGESTÕES DE PAUTA: reportagem@gruposulnews.com.br

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