Por Ricardo Viveiros
A rigor, 1996 foi o primeiro ano de vigência da então nova moeda, o Real, implantada dois anos antes. O Plano Econômico do Governo FHC, que baniu a inércia inflacionária e estabilizou a moeda, alcançava 75% de aprovação nas pesquisas de opinião em todo o Brasil.
Sob a euforia da sociedade com um novo tempo de economia forte e crescimento, surgiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para “salvar a saúde pública”, então vivendo uma crise: mortes por contaminação em hemodiálise em Pernambuco; vacinas causando vítimas em São Paulo; idosos maltratados no Rio de Janeiro; bebês mortos em UTIs no Ceará e no Espírito Santo.
A solidariedade do povo brasileiro assimilou a CPMF. O provisório já levava mais de 10 anos, quando a alíquota subiu e a arrecadação não foi apenas para a saúde, utilizada até para pagar juros da dívida pública. Um ano depois da criação da CPMF, a carga tributária foi 27% do PIB. Em 2006, havia crescido para 33,7%. Uma década depois da criação da CPMF pagávamos mais de sete pontos percentuais de impostos sobre o PIB. E sem retorno em serviços públicos.
O brasileiro, além de arcar com uma das maiores cargas tributárias do Mundo, é forçado a pagar por saúde, educação, segurança e outros direitos. O Governo não se preocupa em gerir responsavelmente a coisa pública, eliminar gastos que, como os impostos, sobem ano a ano. Esse quadro é antigo.
Hoje, na contramão do que a sociedade quer – ser desonerada para diminuir o Custo Brasil, aumentar a competitividade, abaixar preços, gerar empregos – a prometida e postergada Reforma Tributária caminha para não atender à realidade. Cortar gastos públicos e diminuir impostos, sem sacrificar projetos sociais do Governo, é possível.
Em 9 de maio de 2007, o “Manifesto da Sociedade Contra a CPMF”, liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), com mais de um milhão e cem mil assinaturas, mostrava ao governo a inadequação da CPMF e pedia seu fim. O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, com nítido desprezo ao Congresso, incluiu a arrecadação da CPMF na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano seguinte sem esperar sua votação na Câmara e no Senado. Apostou que tudo era possível em um parlamento sob o espectro do “Mensalão”, cujo presidente do Senado era julgado por corrupção.
O PSDB, naquele momento, demorou para decidir-se contra a CPMF ratificando a pecha de que tucanos pousam “em cima do muro”. Os Democratas, sem nada a perder, fecharam questão contra a CPMF conquistando simpatia popular. A CPMF venceu o embate na Câmara Federal, mas perdeu no Senado e não foi reeditada. Quase 15 anos depois, a sociedade luta pela saúde e questiona a situação tributária do País. Enfrenta corrupção.
Ferreira Gullar, morto em 2016, foi um dos mais importantes intelectuais deste País. Sofreu no Golpe de 1964, mas, sobreviveu. Deixou obra emblemática: “A luta corporal”. Em um já esquecido domingo, de um esquecido setembro, de um esquecido 2007, em jornais brasileiros, Gullar assinou o artigo “Apagão na Saúde”. Pois é, poeta, o País segue o mesmo. Com a esquerda ou a direita no poder, “a luta corporal” faz-se necessária na política, na economia, na saúde, na educação…