Bola Wrap: o equipamento não letal que promete diminuir a letalidade policial, mas levanta debates

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Bola Wrap - Crédito: Géssica Pacheco

Dispositivo imobiliza suspeitos sem contato físico, mas gera debates sobre uso

No primeiro semestre deste ano, a série televisiva “Adolescência”, da Netflix britânica, levantou inúmeros debates sobre ser jovem nos dias atuais. Mas quem assistiu ao streaming com um pouco mais de atenção ficou surpreso pela diferença de tratamento que a polícia britânica dá a um suspeito de um crime grave. 

Essa diferença não é apenas coisa de ficção e fica ainda mais evidente quando comparamos os números de letalidade policial das corporações brasileiras com os dos demais países do mundo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2024, a polícia do Brasil mata três vezes mais do que as forças de segurança de outras 15 nações do G20 juntas.   

Os altos índices de violência dos agentes de segurança, em especial da polícia de São Paulo, que teve um aumento de 61,31% de mortes causadas por policiais, segundo o Mapa da Segurança Pública de 2025, levaram o jornal inglês The Sun a classificar a PM paulista como uma das corporações mais perigosas do globo.   

É claro que o Brasil não é o único país que conta com problemas de mortes provocadas por agentes de segurança, principalmente em casos em que o suspeito já está contido e a situação poderia ser resolvida sem grandes impactos para a vida humana. Um dos casos mais famosos é a morte do estadunidense George Floyd, em maio de 2020, durante uma ocorrência. Ao ser contido pelo efetivo policial, um agente colocou o joelho sobre o pescoço de Floyd e impediu sua respiração por mais de nove minutos. 

O caso provocou mudanças em protocolos policiais no mundo todo e medidas de diminuição da letalidade policial, que já eram buscadas naquela época, foram intensificadas. Com isso, uma empresa dos Estados Unidos ganhou destaque por um de seus equipamentos, o Bola Wrap, que tem o objetivo de diminuir os índices de violência policial.

Um equipamento não letal 

O Bola Wrap é uma tecnologia para imobilizar pessoas que precisam de alguma contenção policial sem causar dores ou ferimentos graves. O dispositivo é inspirado nos peões de fazenda que laçam o animal sem contato físico. 

O equipamento consiste em disparador remoto com placa de leitura aos comandos do agente. Conta com caixa plástica, que se assemelha a um controle remoto. Dentro da caixa, encontra-se um fio de kevlar, um tipo de fibra sintética leve, até cinco vezes mais forte que o aço, que é lançado pelo dispositivo e “laça” um indivíduo em questão, imobilizando-o pelas pernas ou braços, sem que haja contato físico entre o lançador e o imobilizado. Tudo feito

A corda de kevlar tem uma extensão de 2,30 metros e resistência de até 104 kg e, em cada ponta, conta com um tipo de gancho pequeno que se prende ao elemento. Pode “laçar” uma pessoa que esteja até 7,5 metros de distância. O seu disparo tem um som que se assemelha ao tiro de calibre 9 mm. 

Leandro Vettorello, que é ex-policial militar, especialista em segurança e hoje representa a empresa criadora do Bola Wrap no Brasil, explica que o uso do dispositivo pelas corporações de segurança pode trazer benefícios para as polícias. “O Bola Wrap é um limitador que, envolto no corpo do indivíduo, passa a ter uma resistência de até 312 kg. Dificilmente alguém vai conseguir se soltar. Assim, o agente consegue a finalização sem que haja dano a pessoa. Esse é um protocolo que minimiza os impactos, evita os excessos, o que gera impacto na segurança pública. Seja ela federal, estadual ou municipal”, explica Vettorello. 

Leandro Vettorello – Crédito: Géssica Pacheco

O uso do Bola Wrap pode ser empregado principalmente nos casos de contenção de elementos de baixa periculosidade, como nas ocorrências de pequenos furtos, indivíduos em surtos, em uso de medicamentos, que não respondam às ordens policiais ou em situações em que o uso do gás de pimenta não é recomendado, por exemplo. 

“O Bola Wrap vai propiciar ao operador uma aproximação segura para que o cidadão possa ser devidamente algemado e designado, sem que ele caia, sem que se machuque, sem que venha má repercussão para a corporação e para as instituições governamentais”, comenta Vettorello. 

Controvérsias

Pensado para ser diferente de uma arma, o Bola Wrap lembra um dispositivo do Batman e vem gerando expectativas sobre o uso por policiais. Contudo, a aplicação do item é acompanhada de questionamentos, como se não acabaria facilitando certos tipos de agressões por parte dos agentes. A polícia paulista, por exemplo, possui histórico de violência até mesmo em pessoas já rendidas ou que não ofereciam risco. 

Vettorello nega que isso possa acontecer, mas admite que é preciso treinamento e protocolo de uso pelo efetivo. “Deve existir uma comunicação entre os policiais durante o uso do Bola e também o som do disparo do kevlar gera um impacto que já ajuda o agente na mobilização”, comentou. 

Outro ponto que levanta questões é sobre o risco do Bola Wrap cair nas mãos do cidadão comum. O representante alega que a empresa detém a patente e não tem intenção de vender para civis, apenas para governos. Mas, não dá para negar que o “jeitinho brasileiro” sempre encontra uma maneira e que não se sabe como poderia ser utilizado pela população.

Uso do Bola Wrap no Brasil 

O Bola Wrap já vem sendo utilizado por corporações nos Estados Unidos e outros países, como os carabineros do Chile. 

No Brasil, a empresa responsável pelo dispositivo tenta emplacar seu uso fazendo demonstração em quartéis e para os setores responsáveis pela segurança pública, mas ainda não fechou vendas. 

A reportagem questionou o Ministério da Justiça sobre o uso do equipamento em território nacional. Este, por sua vez, respondeu por nota que o uso fica a cargo de avaliação de cada estado. Já a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou, também por nota, que o equipamento foi testado tanto pela Polícia Civil quanto pela Militar, mas que não há previsão de aquisição do dispositivo até o momento.

Nota Secretaria de Segurança Pública 

O equipamento mencionado foi testado pelas polícias Civil e Militar durante dois encontros promovidos pela representante da empresa detentora da tecnologia, ocorridos nos anos de 2022 e 2023. Nas ocasiões, os agentes puderam entender o funcionamento da ferramenta e avaliar a efetividade da sua aplicação na Segurança Pública do Estado de São Paulo. No momento, não há previsão de aquisição deste modelo de dispositivo pelas Instituições, às quais se mantêm atentas às novas tecnologias que possam contribuir com suas atividades.

Nota Ministério da Justiça 

No âmbito do modelo federativo previsto da Constituição, cada ente federativo tem autonomia para definir, avaliar e adquirir as tecnologias que entender adequadas às suas necessidades institucionais. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), não estabelece marcas ou modelos específicos, limitando-se a estabelecer diretrizes, princípios, requisitos técnicos e mecanismos de apoio de natureza normativa, formativa e financeira. Dessa forma, a eventual adoção de quaisquer dispositivos, incluindo a BolaWrap, assim como de qualquer outra tecnologia específica, insere-se na esfera de competência das corporações de segurança pública, cabendo às próprias instituições responder a questionamentos dessa natureza, observadas as regras de conformidade e os mecanismos de controle aplicáveis.

Por Giovanna Bicalho


SUGESTÕES DE PAUTA: reportagem@gruposulnews.com.br 

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