Estátua em homenagem à escritora Carolina Maria de Jesus será instalada na Praça Júlio César de Campos em Parelheiros

0
2002

Moradores de Parelheiros realizaram uma mobilização para que a estátua fosse instalada na Praça Júlio César de Campos pois acreditavam que o antigo local não daria a ela a visibilidade merecida


Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras do Brasil, escreveu o livro Quarto de Despejo, um dos mais marcantes de nossa história, que conta a dura realidade de muitas pessoas nas favelas. Traduzido em 14 idiomas e vendido em mais de 40 países.

“O diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus deu origem a este livro, que relata o cotidiano triste e cruel da vida na favela. A linguagem simples, mas contundente, comove o leitor pelo realismo e pelo olhar sensível na hora de contar o que viu, viveu e sentiu nos anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com três filhos” – Sinopse de seu livro pela editora Ática; 10ª edição (3 dezembro 2019).

Em homenagem a escritora, uma estátua estava programada para ser instalada no Parque Linear Parelheiros. No entanto, o local escolhido desagradou muitos moradores pois, segundo eles, “[…] não é um local movimentado e nem de grande visibilidade, o que dificultaria inclusive a preservação da obra perante atos de depredação. Entendemos que mais uma vez Carolina estaria sendo instalada no “quarto de despejo […]”.

Manifesto dos moradores

Carolina Maria de Jesus merece estar na sala de visitas!

São Paulo, 19 de fevereiro de 2022.

Carolina Maria de Jesus é uma das mais importantes escritoras do Brasil. “É” porque sua morte não encerrou sua obra. Nascida em 14 de março de 1914 em Sacramento-MG, migrou muito jovem para São Paulo após a morte da mãe e construiu seu barraco na extinta favela do Canindé, zona norte da cidade. Sobreviveu como catadora de papéis e trabalhou também como doméstica. Nas casas de patrão fazia suas leituras e nos papéis do lixo escrevia seus diários, onde registrava seu cotidiano e da comunidade que vivia. Seu primeiro livro publicado intitulado Quarto de Despejo vendeu mais de 1 milhão de cópias, foi traduzido para 14 idiomas e vendido em mais de 40 países. Foi apenas o começo de uma obra que foi, é e ainda precisa ser estudada. Com o pouco ganho que teve, Carolina conseguiu construir sua casa em Parelheiros e foi onde viveu com os 3 filhos até sua morte aos 62 anos.

A partir da manifestação incendiária à estátua do Borba Gato em Santo Amaro, a Prefeitura de São Paulo anunciou em agosto/2021 a produção e instalação de alguns monumentos de personalidades negras, dentre elas, a escultura de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros. Mas estamos negativamente surpresos com a escolha do local pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, onde ficou decidida a instalação da escultura no Parque Linear Parelheiros com o aval do “núcleo periférico” dentro da Secretaria. Acontece que desconhecemos esse núcleo, nenhum coletivo ou movimento cultural do território faz parte desse núcleo, e se não fosse a nossa mobilização pessoal não seríamos ao menos comunicados sobre a celebração de inauguração, uma vez que nem mesmo o Subprefeito do distrito estava ciente sobre o evento.

O Parque Linear que foi o local escolhido para a escultura, tem sim a sua importância para o bairro, mas não é um local movimentado e nem de grande visibilidade, o que dificultaria inclusive a preservação da obra perante atos de depredação. Entendemos que mais uma vez Carolina estaria sendo instalada no “quarto de despejo”, e mesmo diante do descontentamento dos familiares ao serem informados sobre o local, não aceitamos nenhum motivo para que a escultura não seja instalada na Praça Júlio César de Campos, local onde está a Paróquia de Santa Cruz e o monumento de marco do centenário da Paróquia; que fica na região central de Parelheiros, importante ponto turístico e histórico dentro do Polo de Ecoturismo de SP e que por muito tempo foi o palco de festas tradicionais da região (como por exemplo, a Festa de Santa Cruz e de aniversário do bairro). A Praça Júlio César de Campos também é um local cercado por comércios e têm grande circulação de pessoas, já que é o ponto de acesso para os bairros adjacentes, tanto no sentido da Cratera da Colônia, como do distrito de Marsilac, e do município de Embu Guaçu, cidade onde Carolina foi sepultada; e também está próximo a Casa de Cultura de Parelheiros.

O racismo estrutural, produz o apagamento da história negra no processo de construção das cidades. Em São Paulo, temos apenas 3% de esculturas e monumentos dedicados a homenagear a cultura ou personalidades negras e, dentre elas, somente uma, representa a mulher negra – “Mãe Preta” (ama de leite) no Centro de São Paulo. Historicamente, a presença negra no espaço público é estigmatizada e marcada por sub-representação.

No distrito de Parelheiros, extremo Sul de São Paulo, não há esculturas ou monumentos e, diante da historiografia local, que minimiza a presença negra, a escultura de Carolina Maria de Jesus, rememora e afirma patrimônio e identidade negra no distrito.

Em tempos de abandono e fome, a imagem e obra de Carolina produz representatividade e evidencia as principais necessidades do povo. Além disso, memória, identidade e patrimônio caminham juntos, estamos neste momento fazendo história, isto significa que, o processo de curadoria da instalação da escultura é um registro do Brasil que temos e da salvaguarda da Literatura brasileira. Não podemos permitir que o primeiro monumento em homenagem à Carolina NO MUNDO, não esteja em sua devida visibilidade.

E ainda que seja uma argumentação concisa e suficiente, esta carta está respaldada pelo desejo de Vera Eunice, filha da Carolina, que nos afirma com precisão: ‘Fazemos questão que seja em Parelheiros! Minha mãe amava Parelheiros, aqui foi feliz, se benzeu e benzeu esse chão, participava das festas tradicionais, ia ao cinema mudo e entregou o meu diploma na Escola Prisciliana”.

QUEREMOS CAROLINA NA SALA DE VISITAS!

Nós, coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros, junto aos familiares e pessoas que entendem a importância da obra e da trajetória de Carolina, viemos através desta manifestar o nosso descontentamento em relação ao local escolhido para abrigar a escultura que está sendo produzida em homenagem à escritora. Reivindicamos a instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus na Praça Júlio César de Campos, no Centro de Parelheiros e também a participação dos agentes locais na construção do evento de inauguração do monumento.

Carolina vive, e sua luta persiste, e aqui estamos apenas como pessoas que reivindicam o local, a data e a festa que ela merece ter.

Resposta da Secretaria Municipal de Cultura:

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que convocará uma reunião com os movimentos que pedem a alteração do local da estátua de Carolina Maria de Jesus para discutir a reivindicação, estando aberta ao diálogo com todos os coletivos. A partir do conhecimento do manifesto, a SMC tomou iniciativa de contatar os movimentos e irá verificar uma data em comum para realizar o encontro com os envolvidos.

Para definição do local de implantação da escultura, o Núcleo de Monumentos e Obras Artísticas do DPH realizou, em 2021, pesquisas sobre a história da homenageada, bem como reuniões com a Vera Eunice de Jesus Lima, filha da escritora, para discutir sobre os possíveis lugares de instalação da obra. Em 21 de julho de 2021, a Comissão de Gestão de Obras e Monumentos Artísticos em Espaços Públicos aprovou três propostas de localização da referida estátua, a partir das pesquisas realizadas. No entanto, solicitou que a decisão do local fosse acordada com alguns movimentos sociais e, entendendo a importância da colaboração da comunidade nesta decisão, foram consultados alguns grupos pelo Núcleo de Cultura Periférica da Secretaria Municipal de Cultura, e, em seguida, optou-se pelo Parque Linear Parelheiros. A SMC ressalta que a Praça Júlio César de Campos não estava entre os três locais escolhidos pelo DPH para a escultura, que, a partir do estudo realizado pelas equipes técnicas do Departamento, considerava ainda outros espaços do bairro mais viáveis para a instalação do que a praça citada.

No fim de janeiro deste ano, durante visita técnica no bairro, houve a primeira ponderação da filha da escritora sobre a viabilidade de instalar a peça na Praça Júlio Cesar de Campos, onde atualmente há o Marco Histórico, que faz alusão ao centenário da Paróquia Santa Cruz. Em 4 de fevereiro de 2022, outros movimentos indagaram o DPH se havia a possibilidade de mudança de local, o que passou a ser tema de análise, inclusive com a já citada reunião a ser realizada, sempre de maneira transparente e participativa.

Desde a assinatura do contrato da escultura, em 17 de agosto de 2021, o local nunca havia sido apontado, nem pelos movimentos culturais, nem pela família de Carolina Maria de Jesus, que colaborou com o DPH em todas as instâncias e nunca, até a citada visita técnica, manifestou qualquer objeção quanto ao local da estátua. Até a divulgação do manifesto, a SMC só havia recebido reações positivas quanto à escolha do local, que não foi aleatória, e sim resultado de estudo e pesquisa da equipe técnica do DPH.

Ainda neste mês foram feitas reuniões e estão sendo feitas as contratações artísticas para a celebração da inauguração da escultura de grupos de Parelheiros e com programação baseada na sugestão fornecida por representantes dos movimentos culturais de Parelheiros. Toda a programação da inauguração está sendo construída em diálogo com os artistas e coletivos da região.

A Escolha do Parque

O parque faz referência à história da Carolina, que viveu durante anos em um sítio em Parelheiros, local tranquilo em que se refugiou e onde pôde escrever sobre suas grandes vitórias, entre elas ter deixado a favela e ter se tornado uma escritora reconhecida internacionalmente (MAIA, L. P. A. Meu estranho diário: a memória do ressentimento. Revista de Letras UFTPR, v. 1, 2013, p.9.). O Parque Linear Parelheiros está próximo ao Ponto de Leitura que recebe o nome da escritora e do Centro de Cidadania da Mulher, ambos espaços da Prefeitura que visam a incentivar e proporcionar ações e projetos que potencializem a defesa e difusão de direitos sociais e culturais da comunidade local, valores defendidos pela escritora. Ademais, a implantação das cinco novas esculturas em homenagem a personalidades negras tem por objetivo ampliar o Acervo de Obras de Arte e Monumentos em Espaços Públicos da Cidade de São Paulo em áreas que possuem vínculo com a história de vida do homenageado e, quando possível, conciliar com espaços desprovidos de obras artísticas, levando a arte para outros espaços da cidade, além da região central, bem como trazer à tona a história dessas grandes personalidades que contribuíram para a história da cidade de São Paulo, se tornando grandes inspirações. Carolina Maria de Jesus será a primeira escultura a ser instalada no bairro.

Também foi levado em conta para a escolha do Parque Linear Parelheiros o fato de que a escultura estará mais protegida e valorizada, considerando a presença de vigilantes 24 horas no parque e que se trata de um espaço de lazer muito próximo a grandes equipamentos culturais e do Terminal Parelheiros, o que lhe confere também um fácil acesso no bairro e um maior protagonismo à história da grande escritora Carolina Maria de Jesus”.

Após a mobilização, foi decidido que a estátua será instalada na Praça Júlio César de Campos, região central de Parelheiros. O novo processo de licitação pode durar até seis meses.


SUGESTÕES DE PAUTA: reportagem@gruposulnews.com.br

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.